Essa é a primeira de duas partes sobre a evolução do uso final da eletricidade desde o final do século XIX. A primeira parte aborda os primórdios do uso da eletricidade, o surgimento da indústria de geração elétrica (utilities) e um dos primeiros serviços energéticos suprido por ela.

Introdução

Eletricidade é uma forma de energia tão presente em nossas atividades diárias que não nos damos conta onde ela é produzida nem como ela chega até nós. Um olhar mais atento nos fará perceber que as redes elétricas ligam as centrais de geração – onde os recursos energéticos estão disponíveis – aos centros de consumo, através de uma rede extensa de cabos e complexos dispositivos elétricos.

Apesar da acessibilidade da energia elétrica moderna, essa essencial forma de energia nem sempre esteve disponível continuamente quando surgiu. No início, a geração de eletricidade em quantidades significativas era um obstáculo econômico para a sua adoção. A iluminação foi o primeiro serviço energético eletrificado, mas ainda era cara e restrita a poucos. Mesmo assim, importantes nomes da ciência e do meio industrial perseguiram a ideia de disseminação do uso da eletricidade.

Os Primórdios do Uso Final da Eletricidade

A eletricidade já era conhecida pela humanidade, mas a geração em quantidade significativa é relativamente recente. Em 1831, Michael Faraday demonstra a indução eletromagnética, o princípio tecnológico para a construção de geradores elétricos capazes de converter energia mecânica em energia elétrica. As bases tecnológicas para se obter energia mecânica já haviam sido consolidadas anteriormente com o motor a vapor que convertia energia térmica, geralmente queimando carvão, em energia mecânica. Em 1871, Zénobe Gramme, engenheiro belga, aprimorou o dínamo – a Gramme Machine – um avanço tecnológico que deu impulso à comercialização da eletricidade.

Em 1876, Charles Brush desenvolve uma nova lâmpada a arco voltaico e um novo dínamo, considerado pela The Franklin Institute o mais eficiente até então. No início da década de 1880, muitos sistemas de iluminação elétrica foram instalados nos Estados Unidos, iluminando fábricas, lojas, prédios públicos e ruas (Shiman, 1993). Em 1880, Brush inaugura uma pequena central de geração elétrica para um sistema de iluminação com suas lâmpadas na Broadway, Nova Iorque, competindo com Thomas Edison pela eletrificação da cidade (Carlson, 2019). Cada um buscava o sucesso comercial de suas inovações: a lâmpada a arco e a lâmpada de filamento incandescente, respectivamente. A Brush Electric Company, entretanto, forneceu 80% do equipamento de iluminação a arco nos Estados Unidos, com as cidades de Nova Iorque, Boston e Filadélfia entre seus clientes, até ser comprada pela concorrente Thomson-Houston Electric Company, em 1889 (Case Western Reserve University, 2020).

O Nascimento da Geração Centralizada

Em 1882, Thomas Edison inaugurou as duas primeiras centrais de geração a carvão do mundo, uma em Londres, na Holborn Viaduct e outra em Nova Iorque, a Pearl Street Station (Smil, 2017) e a indústria das utilities para fornecimento de eletricidade dava os seus primeiros passos com esses dois empreendimentos. O local da Pearl Street Station, próximo ao distrito financeiro em Manhattan, foi cuidadosamente escolhido por Edison após uma extensa pesquisa de mercado, pois a área de atendimento era densa em comércios e residências. O sistema de distribuição, de 24 km de extensão com cabos subterrâneos (Sulzberger, 2016), fornecia eletricidade em tensão contínua de 110 Volts para iluminação pública local e para residências da região. A Pearl Street Station, contudo, era uma central de cogeração com 4 caldeiras que supriam 6 dínamos – apelidados de Jumbos – de 100 kW e 27 toneladas cada (IER, 2020), fornecendo eletricidade em corrente contínua e calor para alguns consumidores. De início, com 59 clientes nova-iorquinos (The New York Times, 1979), passou a atender, em 1884, pouco mais de 500 clientes e 10 mil lâmpadas (Energy Story, 2015).

Os sistemas de iluminação anteriores à Pearl Street Station eram sistemas dedicados e atendiam a uma carga específica. O serviço era cobrado por lâmpada acessa, custava muito caro e era acessível apenas para empresas e cidades que podiam pagar por ele. Os primeiros sistemas de geração elétrica eram, portanto, descentralizados, instalados muito próximos do local de consumo.

Em princípio, Edison mudou o modelo do serviço energético de iluminação, fornecendo energia a partir de uma central não dedicada e cobrando a eletricidade como um serviço, com caráter público e geral. Para isso, no final de 1881, pouco tempo antes da inauguração do serviço, patenteou seu medidor de energia elétrica.

Entretanto, o seu maior desafio era o fato de que o seu sistema só era econômico onde havia um centro densamente povoado com clientes suficientes para compensar o custo de instalação da rede (Carlson, 2019). Com o tempo, o modelo de geração centralizada, inaugurada por Edison, foi sendo universalizado e as centrais geradoras se multiplicaram rapidamente.

De início, a eletricidade como serviço era muito cara, sendo acessível a uma minoria abastada e restrita a uma área relativamente pequena. As perdas técnicas do sistema de corrente contínua limitavam a expansão geográfica, mas uma nova tecnologia ajudaria definitivamente essa indústria a dar passos mais largos.

A segunda parte dessa história abordará as bases tecnológica, econômica e política que transformaram a indústria da eletricidade e a consolidaram como a conhecemos hoje.

Referências

Carlson, W. B. (27 de setembro de 2019). Edison and Tesla’s cutthroat ‘Current War’ ushered in the electric age. Acesso em 18 de setembro de 2020, disponível em National Geographic: https://www.nationalgeographic.com/history/magazine/2016/07-08/edison-tesla-current-war-ushered-electric-age/

Case Western Reserve University. (2020). Brush Electric Co. Acesso em 18 de setembro de 2020, disponível em Encyclopedia of Cleveland History: https://case.edu/ech/articles/b/brush-electric-co

Energy Story. (10 de agosto de 2015). Pearl Street Power Station. Acesso em 18 de setembro de 2020, disponível em Energy Story: https://energystory.org/pearl-street-power-station/

IER. (2020). Electricity Generation. Acesso em 18 de setembro de 2020, disponível em Institute for Energy Research: https://www.instituteforenergyresearch.org/electricity-generation-2/

Shiman, D. R. (1993). Explaining the Collapse of the British Electrical Supply Industry in the 1880s: Gas versus Electric Lighting Prices. Business and Economic History, 22(1), pp. 318–327. Acesso em 20 de setembro de 2020, disponível em http://www.jstor.org/stable/23703194

Smil, V. (2017). Energy: A Beginner´s Guide (2ª ed.). Minneapolis: Oneworld.

Sulzberger, C. (27 de janeiro de 2016). The Pearl Street Generating Station, 1882. Acesso em 18 de setembro de 2020, disponível em Engineering and Technology History Wiki: https://ethw.org/Milestones:Pearl_Street_Station,_1882

The New York Times. (6 de fevereiro de 1979). ‘War of the Currents’ Had Profound Impact. Acesso em 15 de setembro de 2020, disponível em https://www.nytimes.com/1979/02/06/archives/war-of-the-currents-had-profound-impact-the-war-of-the-currents-had.html

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Sobre o autor | Igor Cordeiro é instrutor de energias renováveis na Inergial Energia Ltda.