Essa é a segunda e última parte sobre a evolução do uso final da eletricidade desde o final do século XIX. A primeira parte abordou os primórdios do uso da eletricidade, o surgimento da indústria de geração elétrica e um dos primeiros serviços energéticos suprido por ela. Essa parte aborda a disputa tecnológica em torno da geração e distribuição de energia elétrica e as estratégicas empresarias para disseminação do acesso à eletricidade.

A Guerra das Correntes

Em 1888, Nikola Tesla – que havia imigrado para os EUA para trabalhar com Thomas Edison, e se demitiu pouco tempo depois – vendeu suas patentes para George Westinghouse cuja empresa havia se tornado concorrente dos empreendimentos de Thomas Edison (Nix, 2019). De um lado, Edison, financiado por J.P. Morgan, e de outro, Westinghouse, apoiado pela genialidade de Tesla, duelaram na chamada ‘Guerra das Correntes’ (do inglês, War of the Currents). Os primeiros promoviam a eletrificação em corrente contínua (CC) e os últimos em corrente alternada (CA).

Mais do que obter a liderança em um mercado potencialmente enorme, a Guerra das Correntes evidenciou a corrida pela valorização das patentes tecnológicas dos dispositivos elétricos, desde a lâmpada incandescente CC de Thomas Edison ao motor de indução CA de Nikola Tesla. Estabelecer centrais geradoras e redes de distribuição com base em suas patentes daria enorme vantagem para exploração comercial e a eletricidade era um meio para o consumo dessas inovações.

A World’s Columbian Exposition, feira ocorrida em Chicago em 1893, atraiu 27 milhões de visitantes. A Westinghouse Electric Company conseguiu o contrato para iluminar a feira com suas lâmpadas, alimentadas por 24 geradores de 500 HP e com transformadores e equipamentos para demonstrar a versatilidade e eficiência do sistema CA (Carlson, 2019), em conjunto com conversores rotativos (conversores CA/CC) (Cudahy & Henderson, 2005). A feira virou uma página na Guerra das Correntes e demonstrou a superioridade da eletricidade em CA.

Em 1896, entra em operação a usina hidrelétrica em Niagara Falls, Nova Iorque, com geradores CA de Westinghouse, alimentando a cidade de Buffalo a 42 quilômetros de distância (Nix, 2019) com um sistema de transmissão de 11 kV. Tal empreendimento encerrou definitivamente a controvérsia entre os rivais (Safiuddin, 2013) e a breve era dos sistemas CC esmaeceu. Os sistemas CA obtiveram êxito porque apresentavam menor perda de energia em transmissão de longas distâncias e eram seguros o suficiente para operação, apesar do descrédito sofrido anos antes pela contrapropaganda de Edison. Representantes de Edison também fizeram lobby para aprovar leis estaduais e limitar a tensão máxima dos sistemas elétricos em 300 Volts (Carlson, 2019) com o intuito de frear o avanço da tecnologia CA. A geração e transmissão em CA prevaleceu, embora o consumo de eletricidade permaneceu em torno de 110 Volts (CA), nível anteriormente definido por Edison para distribuição e uso final da eletricidade.

A Consolidação das Utilities Elétricas

Três invenções do século XIX – o motor a combustão interna, a turbina a vapor e o motor elétrico – foram essenciais para definir e moldar toda a era do combustível fóssil que começou na década de 1890 (Smil, 2000). Centrais geradoras (termelétricas e algumas hidroelétricas) se proliferaram rapidamente e cresceram em capacidade de geração; redes de transmissão e distribuição alcançaram regiões cada vez mais longínquas.

Contudo, a história sobre o nascimento e prosperidade desta indústria estaria incompleta sem mencionar Samuel Insull, imigrante inglês que começou sua carreira com Edison e se tornou um dos seus associados. A estratégia de negócio de Insull era uma visão empresarial que concatenava aspectos técnicos e econômicos com efeito de escala. Para Insull, otimizar a capacidade e a eficiência dos geradores permitia reduzir o custo de cada unidade de energia elétrica gerada em suas centrais, ou seja, consumir menos carvão para cada kWh produzido. Foi sob o seu comando que a maior central geradora da época foi construída e inaugurada em 1894, a Harrison Street Station, em Chicago, com capacidade de 16,4 MW e geradores CA (Cudahy & Henderson, 2005).

Apesar do sucesso com os sistemas CC em Chicago, a Chicago Edison Company, presidida por Insull, foi a primeira empresa a empregar comercialmente conversores rotativos – demonstrados na feira de Chicago – para transmitir 2,3 kV em CA da Harrison Street Station para outra central, abaixar a tensão, convertê-la e distribuí-la em CC (Cudahy & Henderson, 2005).

Insull, de outro lado, estimulou a demanda; para operar seus geradores em plena capacidade por mais tempo, alimentou elevadores e bondes durante o dia, quando havia menos demanda por iluminação elétrica (IER, 2020). Outra estratégia era expandir a distribuição elétrica para fora dos grandes centros e oferecer preços mais baixos; ao procurar aqueles que usariam eletricidade fora das horas de pico (à noite), Insull pôde aumentar o número de clientes e cobrar menos pelo serviço para que pequenas empresas e famílias pudessem pagá-lo (PBS, 2020).

Insull promoveu agressivamente o uso da eletricidade por eletrodomésticos e pequenos equipamentos industriais (Cudahy & Henderson, 2005), diversificando o uso da eletricidade para além da iluminação elétrica. Com habilidade extrema, uniu tecnologia e economia com uma visão empresarial de diferenciação por custo, massificando o acesso à eletricidade barata para milhões de americanos. O seu legado é relacionado à economia de escala das centrais geradoras e das redes elétricas. Entretanto, talvez a sua maior contribuição tenha sido que outros serviços energéticos emergissem com a eletricidade devido à queda abrupta do preço da eletricidade.

As pequenas e médias cidades, impacientes por serviços confiáveis e eficientes, aproveitaram as baixas taxas de juros oferecidas pelos títulos isentos de impostos para estabelecer suas próprias empresas de energia, que cresceram duas vezes mais rápidas do que as empresas elétricas privadas, passando de 400 em 1896 para mais de 1.250 uma década depois (Cudahy & Henderson, 2005).

Temendo que o fornecimento de eletricidade se tornasse aos poucos uma utilidade de propriedade exclusivamente pública com abusos locais, Insull propõe a regulamentação estadual do serviço. Em 1907, a Federação Cívica Nacional publica o primeiro documento defendendo a regulamentação com o argumento de que a indústria não podia ser regulada pela competição (Simon, 1993). Enquanto as empresas, públicas ou privadas, fossem obrigadas a atender os seus clientes indistintamente, seriam apreciadas com concessões exclusivas em uma determinada área. Desse modo, o risco do investimento na infraestrutura elétrica seria drasticamente reduzido.

A regulamentação, portanto, ajudaria as empresas a se manter financeiramente estáveis com preços (tarifas) determinados, baseados no custo da eletricidade fornecida, acrescido da margem de lucro para futuros investimentos e modernizações. Desta maneira, a proposta de regulamentação, na prática, legalizava o monopólio privado fiscalizado pelo poder público. O monopólio natural regulamentado, foi a última peça para institucionalizar as bases das utilities elétricas como as conhecemos hoje.

Considerações Finais

Muitos países seguiram o modelo de geração centralizada e distribuição da eletricidade com concessão de monopólios por região. Para acompanhar o consumo, demandou-se a construção de inúmeros empreendimentos de geração, a partir de diversas fontes primárias de energia. Linhas de transmissão cada vez mais longas e redes de distribuição cada vez mais entrelaçadas, capilarizaram o acesso à eletricidade.

Tudo isso se consolidou pelo empenho e trabalho de nomes importantes da ciência e do meio empresarial. Cada um contribuiu, à sua maneira, para que eletricidade estivesse acessível a bilhões de pessoas no mundo inteiro.

Referências

Carlson, W. B. (27 de setembro de 2019). Edison and Tesla’s cutthroat ‘Current War’ ushered in the electric age. Acesso em 18 de setembro de 2020, disponível em National Geographic: https://www.nationalgeographic.com/history/magazine/2016/07-08/edison-tesla-current-war-ushered-electric-age/

Cudahy, H. R., & Henderson, W. D. (2005). From Insull to Enron: Corporate (Re)Regulation After the Rise and Fall of Two Energy Icons. Research Paper Number 18, Indiana University, School of Law, Bloomington. Fonte: http://ssrn.com/abstract=716321

IER. (2020). History of Electricity. Acesso em 15 de setembro de 2020, disponível em Institute for Energy Research: https://www.instituteforenergyresearch.org/history-electricity/

Nix, E. (24 de outubro de 2019). How Edison, Tesla and Westinghouse Battled to Electrify America: The epic race to standardize the electrical system—later known as the War of the Currents—lit up 19th-Century America. History. Acesso em 15 de setembro de 2020, disponível em History: https://www.history.com/news/what-was-the-war-of-the-currents

PBS. (2020). Who Made America? Acesso em 17 de setembro de 2020, disponível em https://www.pbs.org/wgbh/theymadeamerica/whomade/insull_hi.html

Safiuddin, M. (2013). History of Electric Grid. Em D. Apple, R. Elmoudi, I. Grinberg, S. M. Macho, & M. Safiuddin (Eds.), Foundations of Smart Grid (pp. 6-11). Pacific Crest.

Simon, J.-P. (1993). The origins of US public utilities regulation: elements for a social history of networks. FLUX, 11, pp. 33-40. doi:https://doi.org/10.3406/flux.1993.940

Smil, V. (2000). Energy in the 21st Century: Resources, Conversions, Costs, Uses, and Consequences. Annual Review of Energy and the Environment, pp. 21–51. Acesso em 20 de setembro de 2020.

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Sobre o autor | Igor Cordeiro é instrutor de energias renováveis na Inergial Energia Ltda.