Nos últimos anos o setor de geração elétrica de muitos países tem se transformado rapidamente. A novidade é a inserção cada vez maior das fontes renováveis, principalmente eólica e solar, no mix de geração. A energia solar tem mostrado muita versatilidade para compor usinas de grande porte para comercialização da energia através da geração centralizada (GC) e para a geração própria, através de microgeradores regulamentados pela geração distribuída (GD). Com preços em declínio, a energia solar é a fonte mais barata para a geração de eletricidade e já impacta diretamente o modelo convencional de geração, fundamentalmente centralizado. A disrupção solar já está em andamento e romperá com o modelo convencional que não conseguirá competir em custos. Definitivamente está surgindo uma nova forma de geração de energia, mais descentralizada e participativa.

A Energia Solar Abre uma Sucessão de Quebra de Recordes Mundiais

Segundo a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, na sigla em inglês), o custo nivelado da eletricidade de fontes renováveis tais como, biomassa, hídrica, solar, eólica e geotérmica, atingiu níveis competitivos históricos comparado às fontes fósseis. Fontes mais limpas e renováveis, portanto, representam agora a solução mais barata de geração e têm permitido que as novas adições de capacidade de geração sejam majoritariamente renováveis. No caso brasileiro, o leilão de geração A-4 de abril de 2018 contratou 1 GW de capacidade, distribuídos em 39 empreendimentos. Deste total, 29 empreendimentos foram de energia solar e 4 de parques eólicos, negociados com preço médio final de R$ 118,07/MWh e R$ 67,60/MWh, respectivamente (ANEEL, 2018). Os destaques do leilão foram as fontes solar e eólica, que dominaram a quantidade de empreendimentos e despontaram como as fontes mais baratas de geração em território nacional até aquele momento.

Tabela 1: preço final do leilão A-4 de 2018 por fonte de geração. Fonte: autoria própria com dados da ANEEL.

Térmica a Biomassa R$ 198,94/MWh
Hidrelétrica R$ 198,12/MWh
Solar Fotovoltaica R$ 118,07/MWh
Eólica R$ 67,60/MWh

Já no leilão A-4 de junho de 2019, foram contratados 401,6 MW de capacidade em 15 empreendimentos, 6 de solar e 3 de eólica, negociados com preço médio final de R$ 67,48/MWh e R$ 77,99/MWh, respectivamente (CCEE, 2019). O destaque neste leilão foi a fonte solar que surpreendeu com deságio médio de 75,6% em relação ao preço inicial estipulado de R$ 276/MWh e se tornou a fonte mais barata de energia, ao mesmo, no Brasil e no mercado internacional, com menor preço registrado, equivalente a US$ 17,02/MWh.

Tabela 2: preço final do leilão A-4 de 2019 por fonte de geração. Fonte: autoria própria com dados da CCEE.

PCH (hídrica) R$ 198,11/MWh
Térmica a Biomassa R$ 179,87/MWh
Eólica R$ 77,99/MWh
Solar Fotovoltaica R$ 67,48/MWh

Tivemos muito pouco tempo para comemorar porque um mês depois, em julho de 2019, um novo recorde mundial foi alcançado. O último leilão português arrematou a fonte solar por € 14,76/MWh, equivalente a US$ 16,45/MWh. Anteriormente, México e Índia já haviam noticiado os seus recordes. Os baixos preços não são particularidades ou privilégios de poucos países, mas uma tendência mundial. A energia solar é a fonte mais barata para GC.

A Solar tem uma Aliada

No último 12 de agosto, às 23h39, a geração de energia eólica no litoral nordestino alcançou novo recorde de 9.270,5 MWh, 4,47% maior que o recorde alcançado 9 meses antes. Esses ventos foram capazes de atender 94,6% da demanda do Nordeste brasileiro naquele momento. Enquanto a geração solar tem picos ao redor do meio-dia, a eólica pode ter picos à noite e uma fonte complementa a outra. Juntas, eólica e solar serão imbatíveis!

Tabela 3: empreendimentos em operação. Fonte: ANEEL | BIG – Banco de Informações de Geração. Data: 26 de agosto de 2019.

Tipo Potência Fiscalizada (kW) %
CGH 739.962 0,45
CGU 50 0,00
EOL 15.081.293 9,09
PCH 5.232.476 3,15
UFV 2.172.428 1,31
UHE 99.922.634 60,21
UTE 40.825.067 24,60
UTN 1.990.000 1,20
Total 165.963.910 100,00

Legenda:

CGH    Central Geradora Hidrelétrica

CGU    Central Geradora Undi-elétrica

EOL    Central Geradora Eólica

PCH    Pequena Central Hidrelétrica

UFV    Central Geradora Solar Fotovoltaica

UHE    Usina Hidrelétrica

UTE    Usina Termelétrica

UTN    Usina Termonuclear

A energia eólica é a 2ª maior fonte de geração no País.

Tabela 4: empreendimentos em construção. Fonte: ANEEL | BIG – Banco de Informações de Geração. Data: 26 de agosto de 2019.

Tipo Potência Outorgada (kW) %
CGH 8.512 0,11
EOL 1.136.585 14,19
PCH 346.979 4,33
UFV 741.548 9,26
UHE 579.780 7,24
UTE 3.844.736 48,01
UTN 1.350.000 16,86
Total 8.008.140 100,00

Tabela 5: empreendimentos com construção não iniciada. Fonte: ANEEL | BIG – Banco de Informações de Geração. Data: 26 de agosto de 2019.

Tipo Potência Outorgada (kW) %
CGH 5.100 0,03
EOL 5.112.585 34,55
PCH 1.448.771 9,79
UFV 3.409.642 23,04
UHE 659.000 4,45
UTE 4.163.437 28,13
Total 14.798.535 100,00

Dos 22,8 GW contratados para adição na matriz de GC, solar e eólica somam 10,4 GW ou 45,6%.

Quanto Maior a Demanda por Solar, Menor Serão os Preços.

No final de 2017 o Brasil alcançava o seu primeiro gigawatt em solar e 20 meses depois conta com 3,2 GWp em operação e com mais 4,1 GWp contratados. O crescimento exponencial das instalações fotovoltaicas derrubará os preços das instalações; a unidade de potência solar (Watt-pico ou Wp) custará menos hoje do que no ano anterior. Flutuações de preço podem ocorrer, mas a tendência sempre será de queda. A queda abrupta do preço dos módulos solares deriva do aprimoramento tecnológico, do ganho de escala e da competição entre os fabricantes e players do setor. Fábricas totalmente automatizadas produzem módulos solares de alta qualidade e muito duráveis (cerca de 25 anos de geração segundo os próprios fabricantes). Preços decrescentes, alta qualidade e vida útil sem comparação com produtos que utilizamos diariamente atraem cada vez mais adotantes, impulsionando a energia solar como jamais visto. Ao mesmo tempo que a demanda aumenta, a oferta também crescerá; o mercado e a competição aumentam, fechando um ciclo virtuoso em que o aumento da demanda não conseguirá justificar aumento de preços.

Atualmente módulos bifaciais já estão disponíveis comercialmente. Eles são capazes de utilizar a parte traseira dos módulos para captação de luz refletida pela superfície. Existem também os módulos half-cell e PERC que, resumidamente, empregam tecnologias diferentes para aumentar a eficiência de conversão energética ou diminuição de perdas. À medida que a tecnologia avança, a eficiência dos módulos aumenta e, mesmo que o preço dos módulos se estabilize – pelo menos por um período – os módulos seguramente serão mais eficientes e mais potentes porque os fabricantes de módulos solares competirão bravamente. O que importa, contudo, é o preço da unidade de potência – o Watt-pico. No mercado internacional o preço já é tão baixo quanto US$ 0,25/Wp (potência do módulo). O preço dos módulos caiu drasticamente e atualmente (ano base 2018) é cerca de um décimo do preço em 2010. Os módulos que estão sendo instalados agora provavelmente não estarão mais disponíveis para venda daqui a 3 anos porque modelos novos, mais potentes e eficientes, terão surgido.

Figura 1: preço dos módulos solares em US$/Wp (ano base 2018) de 2010 a 2018. Fonte: IRENA.

Quando iniciei minha jornada empreendedora na energia solar, há pouco mais de 2 anos, as propostas comerciais para novas instalações residenciais típicas (em torno de 4,6 kWp) custavam até R$ 7,00/Wp (aqui o valor do Wp inclui todo o sistema fotovoltaico instalado). Um ano antes, em meados de 2016, podiam custar tanto quanto R$ 9,00/Wp. Hoje, é muito difícil competir no mercado se o preço não estiver ligeiramente abaixo dos R$ 5,00/Wp. Neste caso real, a redução do preço, em 3 anos, foi de 45% e o número de empresas mais que quadruplicou. Essa queda tem ocorrido no preço final para o cliente e significa que os serviços (projeto e instalação) também sofreram queda. Um sistema fotovoltaico com 16 módulos solares de 270 Wp cada, portanto, de 4,32 kWp, custava, em 2017, R$ 30 mil. Hoje, um sistema de 4,69 kWp pode custar abaixo dos R$ 23 mil. Além de ser ligeiramente mais potente, esse último sistema conta com 14 módulos de 335 Wp cada e ocupa a mesma área que o primeiro; os inversores são idênticos.

Desde a sua regulamentação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em 2012, a GD acumula 101.779 unidades consumidoras com micro ou minigeração a partir de fontes renováveis, mas 101.459 dessas unidades têm geradores fotovoltaicos. A tecnologia empregada na energia solar permitiu que unidades de potência muito pequenas pudessem ser empregadas para conversão energética sem grandes infraestruturas de suporte e transmissão, levando a geração de pontos centrais para onde a energia é consumida (geração junto à carga). Devido à natureza distribuída da energia solar, a GD tem forte apelo entre os consumidores, principalmente residenciais. Os consumidores residenciais respondem por 73 % do total de “prossumidores” e as instalações comerciais somam 42% da capacidade total de GD. Definitivamente a geração própria com solar é mais barata que comprar a mesma quantidade de eletricidade das distribuidoras de energia.

Figura 2: unidades consumidoras com geração distribuída no Brasil. Valores acumulados de 2012 a 26 de agosto de 2019. Fonte: ANEEL.

Sem requisitar, na maioria das vezes, espaço adicional e infraestrutura, a energia solar deve ainda crescer muito no Brasil, dominando quase que absolutamente a GD no país. Além disso, a energia solar é definitivamente um investimento: devolve o capital próprio investido de 4 a 7 anos, enquanto a geração pode durar ainda mais 20 anos depois desse prazo. Expansões de capacidade têm custo marginal bem menor que a geração centralizada e tendem a deixar os consumidores menos sensíveis aos aumentos de tarifas.

Porque a Energia Solar é Disruptiva e Modificará o Setor Elétrico?

A luz solar – análoga a qualquer combustível fóssil – não tem custo e é inesgotável. Não se paga pela luz solar, apenas pelo aparato de conversão de energia (módulos solares, inversores e outros dispositivos que compõem o sistema fotovoltaico). A operação do sistema fotovoltaico é autônoma e não exige ajustes ou supervisão. Combustíveis fósseis, como o gás natural, são recursos naturais não-renováveis. O gás natural propriamente dito, não tem custo, mas a sua extração tem. É necessário máquinas, processos controlados e pessoal para a extração. Após essa etapa se obtém o recurso in natura que precisa ser tratado e transportado. E isso tem custo. A combustão do gás natural também exige um aparato de conversão. E isso também tem custo!

No atual sistema elétrico, a tarifa de energia é na verdade uma tarifa de fornecimento porque a eletricidade precisa ser transportada por dezenas ou até centenas de quilômetros. Quanto maior a distância de transmissão, maiores serão as perdas. Basta checar as faturas de energia: para o grupo residencial (grupo B), a tarifa de transmissão e uso da rede de distribuição – denominada de TUSD – custa tanto quanto a tarifa de eletricidade propriamente dita. O consumidor ainda está sujeito às bandeiras tarifárias: uma tarifa extra quando a geração depende do despacho de geradoras termelétricas que gastam mais. Além disso, uma complicada tributação pode alcançar um terço da fatura, desestimulando o consumo.

A luz solar não precisa de infraestrutura de transmissão, ela simplesmente incide nos módulos solares e parte dela é convertida em eletricidade instantaneamente. O consumo desta eletricidade também é imediata e não requer qualquer tipo de controle ou interferência externa. O excedente de eletricidade, se houver, pode ser exportado para a rede elétrica e seguramente será consumida não muito longe dali, provavelmente por um dos consumidores vizinhos. Embora a solução técnica para o excedente de geração seja a exportação (ou injeção, como se diz), muito em breve as baterias preencherão uma lacuna importante para o armazenamento de energia e a rede elétrica não mais cumprirá o papel de “bateria virtual” para sistemas fotovoltaicos conectados à rede.

Qual é o Potencial Solar no País?

Segundo o último Plano Decenal de Expansão de Energia publicado em 2018, em 2027 haverá 1,35 milhão de adotantes de sistemas de micro ou minigeração distribuída, totalizando 11,9 GWp, que exigirão quase R$ 60 bilhões em investimentos ao longo do período (MME/EPE, 2018).

Segunda a Calculadora Brasil 2050, divulgada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em um cenário otimista para energia solar fotovoltaica no Brasil, o total da capacidade instalada em 2050 poderá ser de 124 GWp, sendo 51 GWp em GC e 73 GWp em GD.

Considerações Finais

O declínio abrupto de preços dos módulos solares e outros equipamentos levam o custo da sua eletricidade a níveis jamais previstos. A natureza limpa, renovável e sustentável da energia solar tem papel secundário na sua disseminação. É o seu custo, incrivelmente baixo, que a catapulta!

A vocação da energia solar é a geração distribuída e ela (GD) está empurrando a geração para as bordas (para o consumidor final) a partir do centro (da geração centralizada), descentralizando o setor elétrico à medida que cresce o número de prossumidores conectados à rede elétrica. Em pouco tempo o modelo convencional de geração fundamentalmente centralizado, passará a ter um novo funcionamento porque o sistema energético tenderá a ficar mais interconectado.

A inteligência do sistema será descentralizada, processando dados provenientes dos geradores e dos consumidores, simultaneamente, e em fluxos multidirecionais de comunicação. Com tamanha complexidade e ganho econômico o atual modelo não terá como competir em custos. Há menos de uma década a solar era apenas uma fonte alternativa e hoje é competitiva. Tecnologia e custo farão da solar uma fonte ainda mais imprescindível.

O setor elétrico será modificado e um mercado novo – mais descentralizado e ‘intraparticipativo’ – surgirá porque a disrupção solar já começou!

Fontes:

[1] Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Resolução Normativa nº 482/2012. Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2012482.pdf

[2] _______. Geração Distribuída. Acesso em 26 de agosto de 2019. Disponível em http://www2.aneel.gov.br/scg/gd/GD_Fonte.asp

[3] _______. BIG – Banco de Informações de Geração: Capacidade de Geração do Brasil. Acesso em 26 de agosto de 2019. Disponível em http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/capacidadebrasil.cfm

[4] _______. “Leilão de geração “A-4” termina com deságio de 59,07%.” Disponível em http://www.aneel.gov.br/sala-de-imprensa-exibicao/-/asset_publisher/XGPXSqdMFHrE/content/leilao-de-geracao-a-4-termina-com-desagio-de-59-07-/656877?inheritRedirect=false. Acesso em 28 de junho de 2019.

[5] Canal Energia. “Mercado livre garantiu o sucesso do leilão A-4”. Disponível em http://canalenergia.com.br/noticias/53103858/mercado-livre-garantiu-o-sucesso-do-leilao-a-4. Acesso em 29 de junho de 2019.

[6] Diário do Nordeste. “Nordeste bate recorde de geração de energia eólica”. Acesso em 20 de agosto de 2019. Disponível em http://blogs.diariodonordeste.com.br/egidio/67715-2/

[7] Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Leilão de Geração A-4/2019. Disponível em http://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-355/Informe%20Resultado%20da%20Habilita%C3%A7%C3%A3o%20T%C3%A9cnica%20e%20Vencedores-%20Leil%C3%A3o%20A-4%20de%202019_v3.pdf. Acesso em 23 de agosto de 2019.

[8] _______. Calculadora Brasil 2050. Energia Solar Fotovoltaica. Disponível em http://calculadora2050.epe.gov.br/assets/onepage/14.pdf. Acesso em 21 de agosto de 2019.

[9] _______. Nota Técnica DEA 26/14 – Avaliação da Eficiência Energética e Geração Distribuída para os Próximos 10 anos (2014-2023). Disponível em http://www.epe.gov.br/

[10] International Energy Agency (IEA). Digitalization & Energy. 2017.

[11] International Renewable Energy Agency (IRENA). Disponível em https://irena.org/solar. Acesso em 23 de agosto de 2019.

[12] Ministério de Minas e Energia (MME)/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia 2027. Disponível em http://www.mme.gov.br/.

[13] Seba, Tony. Clean Disruption of Energy and Transportation. 1ª Edição. Silicon Valley: Clean Planet Ventures, 2014.

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Sobre o autor | Igor Cordeiro é instrutor de energias renováveis na Inergial Energia Ltda.